Luís Wesley
Gosto da forma como S. D. Gordon põe em poucas palavras o sentido da encarnação do Filho de Deus: “Jesus é Deus soletrando-se à si mesmo numa linguagem que o ser humano pode entender”. A afirmativa é quase uma paráfrase perfeita do que diz o evangelista João: “E o verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (João 1:14a). Não há outra maneira de Deus se fazer entender, senão comunicando-se na linguagem humana, com todas as implicações possíveis. A encarnação de Jesus é, portanto, a celebração do como Deus revela-se à nós sem segredos, sem distâncias culturais e sem obstáculos na comunicação. É Deus dando aos seres humanos a chance de entender, concluir e dizer: “… vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (João 1:14b).
Por isso, nem se discute o “natal” caricaturado que anda à solta em toda parte. A linguagem daquele tem outro foco, tem facetas obsessivamente consumistas; é plástico, é vil, é socialmente excludente, faz segregação racial. É “natal diet”, é desnatalinado, pois exclui a essência, o começo e o fim de tudo: o Salvador, Redentor e Senhor. Além disso, não é encarnado na tropicalidade brasileira que tem palmeiras, Tico-Tico, João de Barro, Sabiá e sol cáustico de verão. É teimosamente estrangeiro, é polar, é frio em quase todos os sentidos. E mais: bem ao contrário do que diz a canção, “Como é que Papai Noel não esquece de ninguém?”, este falso natal tem aminésia crônica e profunda, pois se esquece, sim, dos já por demais esquecidos por nossa nação.
Encarnação tem à ver com a própria personagem da auto-soletração de Deus à nós: Jesus Cristo (João 14:9). Ele é Deus com face humana tangível (II Coríntios 4:6), com jeito de falar — sem tradução e sem sotaque! — a língua da gente. É encarnação à últimas consequências (Filipenses 2:8), é identificação radical (Filipenses 2:6), é o Eu Sou que “colou”, que se aderiu à realidade humana (Filipenses 2:7). Encarnação é a maneira pela qual Deus dá um jeito de nascer na forma humana (João 1:14), numa verdadeira reentrada no mundo que já era Seu (João 1:11), mas sem se tornar ordinário (Isaías 53:9b, I Pedro 2:22).
Assim, Jesus é a perfeita revelação visível d’Aquele à quem ninguém jamais viu (Colossenses 1:15). É Deus no meio e com a gente (Mateus 1:23), com silhueta humana identificável (João 1:36), com olhos que vêem ao longe, na amplidão e no profundo (Salmo 139:1-3), com ouvidos que ouvem o som de palavras que a língua humana é incapaz de exprimir (Salmo 139:4), com boca que fala com a autoridade de quem conhece os mais íntimos gemidos e anseios que a gente possui, mesmo os humanamente imperceptíveis e indizíveis (Romanos 8:26). É o logos divino soletrado no humano.
E, soletrando-se ao ser humano, Deus também dá à nós todos, Seus filhos, o modelo e parâmetro da nossa missão: é preciso que a Igreja se encarne, que se identifique com os que estão ao seu redor, que seja resposta sensível, pertimente e relevante às suas questões e necessidades, e que faça entender a mensagem do evangelho na linguagem humana, sob o poder e singeleza, autoridade e ternura, firmeza e doce brandura do Espírito Santo, tal como exemplificou Jesus.
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